domingo, 25 de abril de 2010

Repórter relata desabafo dos índios na região da Usina de Belo Monte

Sônia Bridi e o repórter cinematográfico Paulo Zero viajaram até o Pará para gravar reportagem que será exibida neste domingo (25).


Sônia Bridi descreve os bastidores das gravações na região onde será construída a Usina de Belo Monte, no Pará. Ela conta que esta é sua primeira reportagem feita na Região Amazônica

Pedemar Maraguara Porã. Já não sei a tribo, a nação, a região do Brasil de onde saiu esse índio de nome estranho que apareceu na minha escola, lá no interior de Santa Catarina, quando eu tinha uns dez anos de idade. Eram os anos 70. O governo militar, com o lema de “integrar para não entregar” promovia a corrida para o norte, abria a rodovia Transamazônica, e entre os descendentes de italianos que já haviam avançado do Rio Grande do Sul para Santa Catarina, a promessa do novo Eldorado era sedutora. Muitos se foram. Seus pais e avós haviam enfrentado ( e praticamente exterminado) os índios kayngangs para ocupar as terras ao longo do Rio de Peixe. Eles não temiam desbravar o Norte.

Pois ali, na nossa sala de aula, com orelhas furadas (eu nunca tinha visto homem de brinco!) aquele índio num português truncado nos fascinava e deixava o primeiro alerta de que seu povo estava em perigo por causa da ocupação das florestas.

Esta semana, dirigindo pela transamazônica, passando em frente ao monumento inaugurado pelo presidente Médici, lembrei de Pedemar. Pela primeira vez eu fazia uma reportagem na Amazônia. Tantos lugares distantes onde já fui, e nunca ali, nunca na “nossa” floresta. Não que as margens da rodovia tenham floresta. A fronteira entre a mata e as muitas pastagens e as poucas lavouras é a do parque nacional, que emenda com as reservas indígenas, fazendo um corredor de preservação. De avião, foi mais de uma hora desde Altamira, sobrevoando aquele manto verde até chegar à aldeia dos Xicrin.

Antes de embarcar, li um estudo antropológico sobre esse ramo dos kayapós. Tribo implacável em outros tempos, em guerras lendárias que empurraram os Araras pro outro lado do Xingu, temidos por brancos e índios. Em Altamira só se falava que eles estão em pé de guerra. Mas quando cheguei eles não estavam afiando as lanças nem preparando arcos e flexas. Estavam debatendo.

A reportagem vai ao ar neste domingo no Ambientaljs.

A aldeia é um círculo de ocas, com um grande pátio no centro – como na Place dês Vosges, em Paris, que tem todos os lados iguais, fiquei sem rumo. E no meio da praça, a casa dos guerreiros, o espaço masculino, onde são contadas histórias, os assuntos são debatidos exaustivamente. Todo mundo pode falar. Todos escutam. Menos as mulheres, que se ocupam de manter a vida seguindo preparando farinha, cuidando dos filhos – como na Grécia antiga, a democracia Xicrin parece não incluí-las. Mas nunca subestime uma mulher Kayapó. O mesmo facão que descasca farinha também vai para a briga.

Não sei se foi o fato de que era uma mulher branca ali, falando com os homens, ou sentiram que quando a guerra parece inútil elas tem que exercer publicamente sua função “menor” em qualquer sociedade, que é a preservação da espécie. Facão em punho, se abriram para a câmera. Nem olhavam pra mim, nem para o Paulo Zero, atrás daquela máquina. Olhavam pra lente, fazendo seu desabafo.

Neste domingo (25), no Ambientaljs, elas são as estrelas da reportagem que tenta mostrar os povos atingidos pela barragem de Belo Monte.
Reportagem: Jeniffer Silva
Fotos: Divulgação

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